Historical & Mythological Short Fiction

Ink of Ages Fiction Prize

World History Encyclopedia's international historical and mythological short story contest

Segundo Prêmio 2024

Jenyth Evans

Parabéns à Jenyth Evans que com o seu conto histórico-mitológico 'Mirrina' ganhou o segundo lugar do '2024 Ink of Ages Fiction Prize' da World Heritage Encyclopedia, patrocinado pela Oxford University Press.

Estudante do último ano de doutoramento de pseudo-histórias escritas no País de Gales, na Inglaterra e na Irlanda durante a época medieval. 

Este conto foi inspirado num conjunto de três inscrições sobre a sacerdotisa de Atena Nice: nomeadamente as nos. 137, 156 e 179, em Osborne Robin e PJ Rhodes, eds. Inscrições Históricas Gregas, 478-404 a.C. (Oxford: Oxford University Press, 2020). As duas primeiras inscrições registram a decisão tomada durante a assembleia ateniense de criar a sacerdotisa e, em seguida, outros aspectos práticos em torno da implementação da mesma: incluindo o fato de que ela deveria receber seu próprio salário e que deveria ser escolhida por sorteio entre 'todas as mulheres atenienses'. (Esses dois detalhes foram invocados como razões para denominar a sacerdotisa especialmente democrática.) A inscrição final é do túmulo da própria e primeira sacerdotisa: Mirrina.

Quis usar esta história para explorar os vislumbres fragmentários que estas inscrições dão sobre a vida de Mirrina: o orgulho do seu pai pela sua posição; a tentadora possibilidade de ela não ter vindo de uma família nobre de Atenas, e os sentimentos complexos que poderia ter experimentado ao ser agraciada com tal honra. No geral, queria aproveitar esta oportunidade para destacar e explorar um vislumbre de uma oportunidade de poder e riqueza independente que raramente era concedida às mulheres na Atenas clássica.

 por Jenyth Evans, traduzido por Filipa Oliveira

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Mirrina

Homero cantou sobre os escolhidos pelos deuses, as armaduras brilhando na batalha; proferiu discursos heróicos: agonizando entre uma vida longa ou uma morte gloriosa. Mas nunca frisou que se desviassem dos montes de merda de cavalo na estrada.


Contornei o último monte no nosso caminho e puxei o véu ainda mais sobre a cabeça. O sol troçou desta tentativa de me proteger e parecia bater com mais intensidade do que nunca. Levantadas pelas carroças que passavam por nós, a areia e a poeira colaram-se na minha cara, penetrando no nariz e nos olhos.


“Porque é que permiti que o pai e o Cinesias me nomeassem...” murmurei para Lysíades. O meu irmão olhou para baixo e silenciosamente ofereceu-me, novamente, o odre quase vazio. Abanei a cabeça, e ele levou-o aos lábios. E, perante nós, os portões da cidade aproximavam-se cada vez mais.


Atenas sempre esteve na crista do nosso horizonte. Quando éramos crianças, a brincar nos terraços, eu e o Lysíades percorríamos a acrópole com uma só mão. Testemunhamos como o Partenon crescia, ano após ano, como uma pequena mancha no topo: como um besouro, agarrado àquele afloramento rochoso. Nessa altura, parecia tão distante. O pai costumava viajar para lá quando éramos crianças. As carroças iam carregadas com ânforas de azeite, vindo das árvores que trepavamos. Papá declarava, com orgulho, que era para os atletas do ginásio. No regresso, trazia um lenço novo para mim, ou um cavalo de madeira para o Lysíades. Mas depois veio a guerra. E os espartanos, de Peloponeso. E durante meses o cheiro de madeira queimada nos nossos cabelos, nas nossas roupas, nos nossos pesadelos.


O Lysíades permaneceu mudo enquanto avançávamos através do Kerameikos, pelo que fiquei silenciosamente grata. Desde que aquele mensageiro chegou ao nosso demo, clamando por Mirrina, filha de Callimachus!”, que o pai era um homem excitado. "Atena. A própria Atena escolheu-nos", sussurrava a qualquer momento, apertando-me a mão com demasiada força. ‘-nos’, lembrei-me mal-humorada. Não ‘-te’. Em sua defesa, mal me lembro do dia em que eles escrivinharam Mirrina num pequeno pinakion (Placa de bronze ou maderia) e que o mesmo mensageiro, que o guardou, levou com ele para Atenas. E agora, fiquei feliz por niguém mencionar Atena. Ou quanta honra eu traria à família, ou como, finalmente, Tique nos abençoava: mesmo quando nos aproximávamos da própria causa das divagações extasiadas do meu pai.


Coube ao Lisíades escoltar-me até Atenas: o Cinésias partira há uma semana para preparar alojamento e alimentação na casa do tio. Eu tinha-me saído melhor do que qualquer um esperava ao me casar com ele, mas a carpintaria não era suficiente para sequer sonhar em alugar um cavalo. Então, aqui estava eu: caminhando e tentando não transpirar nos meus peplos. O calor do sol irradiava das estelas à beira da estrada enquanto passávamos, e permiti-me estudar algumas. Aqui e ali, algumas mulheres foram esculpidas nos blocos de mármore. Tranças lindas e incrivelmente simétricas estavam presas na cabeça. Uma delas tirava um colar de uma caixa segurada por uma miúda com metade do seu tamanho: a cabeça coberta com um elegante chapéu. Outra tocava a mão de seu filho enquanto se afastava para a morte, para sempre presa no momento de se afastar. Enquanto olhava, percebi que Lysiades já passava pelo próprio Dipylon. Juntei os peplos com uma das mãos e corri atrás dele.


"O Kinesias disse para continuar sempre o mesmo caminho", disse-lhe enquanto o alcançava, embora ele já o soubesse. Passamos por um grupo de mulheres carregando pesadas âncoras ​​equilibradas na cabeça, com a transpiração a brilhar nas sobrancelhas. “Devíamos passar pelo mercado.”


Que estava mais lotado que as margens do Styx. Mais pessoas do que eu já tinha visto na minha vida clamavam, zombavam e gritavam ao mesmo tempo. O Lysíades dispensou os vendedores e empurrou-nos em direção à Acrópole, ignorando os tecidos, a comida e os brinquedos. Agora podíamos ver um lance de escadas cortando a inclinação, ziguezagueando para frente e para trás até ao Propileus.


"Talvez eles tornem a subida mais fácil?" o Lysíades perguntou secamente. Respondi-lhe com uma expressão que demonstrava não estar impressionada, e ele riu-se, dando uma plamada no meu ombro. A subida não teria sido cansativa se tivesse sido tudo o que fizemos naquele dia. Mas desde da madrugada que faziamos uma caminhada interminável e tudo o que pude fazer foi esforçar-me para subir os últimos degraus.


Quando me virei para ver o quão longe havíamos chegado, com a respiração irregular no peito, não pude evitar. Toda Atenas estava espalhada diante de mim. O Pireu brilhava além dela, e pequenas partículas de navios marcavam a superfície do mar. O mar. A poucos passos de distância. As Longas Muralhas estavam bem diante de mim, acenando para que eu chegasse à costa: uma passagem segura diretamente de ida e volta. Sempre que eu o desejasse.


Assim que me virei para apontar os navios ao Lísíades, algo bateu nas minhas costas. Uma adolescente, com os braços em volta de um rolo de pano intrincadamente tecido, estava curvada nas escadas, tendo tropeçado em mim. Ela captou o meu olhar, um leve terror no branco dos seus olhos enquanto se endireitava.


"Deuses, presta atenção ao caminho."


Uma voz azeda gritou atrás dela. A sua dona era uma mulher de véu, com fios tão finos e leves que quase pareciam translúcidos. O seu cabelo era apenas visível através dele, então pude ver que estava preso exatamente como as mulheres na estela mais cedo: sua expressão era tão fria quanto os rostos esculpidos no mármore. Um homem silencioso seguia-a. Olhava para longe, além de nós, uma expressão fixa num olhar entediado, mas a mão descansava preguiçosamente sobre uma espada curta pendurada no quadril.


"Inútil..." ela murmurou baixinho, arrancando o rolo dos braços da miúda. "Volte para o Philaidae e traga algo que possa na verdade carregar desta vez. Depressa."


A miúda baixou a cabeça, murmurou: “Sim, sacerdotisa”, e partiu correndo. Entretanto, a sacerdotisa levantou uma sobrancelha para mim e Lysíades.


"Carregue." Ela colocou o tecido nas mãos de Lysíades, olhando-o diretamente nos olhos. "Sua sacerdotisa de Atena Polias ordena que carregue isto." Sem mais uma palavra, ela colocou-se entre nós e começou a adentrar na acrópole.


O Lysíades ficou de pé, com os braços ocupados, tentando processar o que acabara de acontecer. Sibilei-lhe: "Não temos tempo."


"Despache-se!" A mesma voz chamou-nos, sem se dignar a olhar para trás. "Este tecido não chegará sozinho à nova sacerdotisa."


Congelo. Eu e o Lysíades viramo-nos para olhar um para o outro. Sorriu e eu retribuí, apesar do meu coração bater veloz no peito. Eu conhecia aquele olhar. Foi o mesmo que ele me deu quando entramos sorrateiramente no vinhedo da velha Antioquia e nos empanturramos de uvas até ficarmos doentes. Ele avançou para acompanhar o ritmo e eu corri ao lado dele.


O Lysíades pigarreou e parou ao lado dela. "A nova sacerdotisa?"


"De Templo de Atena Nice." Ela lançou um olhar para o Lysíades pelo canto do olho. "Não ouviu? Não se fala de outra coisa na cidade, não que se tenha demorado anos de brigas para financiar o seu mísero salário. E para quê?" Ela fungou. "Deuses dêem-me forças. A última coisa que precisamos é de um camponês inculto intrometendo-se, sem ter ideia do que está a fazer." Ela sacudiu a mão para o homem que a seguia, que avançou na direção a uma multidão de pessoas reunidas em redor do Propileu. Eles afastaram-se perante o seu corpo imponente, e ele conduziu a sacerdotisa. Eu e o Lysíades corremos atrás dela.


"Ela já está a roubar algumas oferendas", continuou ela de forma ligeira. “Durante anos, as mulheres da família Philaidae dedicaram os seus tecidos a Eteoboutadae de Atena Polias. Mas agora estão a competir com as outras famílias para a esbanjar na horrível estátua nova." Puxou o tecido nos braços de Lysíades: os seus lábios curvaram-se num gesto de desgosto antes de deixá-lo cair, como se apodrecesse nas suas mãos. "Francamente, e felizmente estou à margem disto."


Quando emergimos do Propileu, a sombra fresca deu lugar ao sol forte, uma vez mais. Apesar de tudo, parei no meio do caminho, imbuíndo-me do próprio Templo de Atena Nice. O imaculado mármore brilhava na luz. Escudos, vindos da última vitória em Pilos, estavam pendurados no bastião que o cercava, brilhando como um halo de estrelas. As portas estavam abertas para convidar o ar quente. E, lá dentro, pude ver o marfim suave e pálido da própria estátua de Atena.


“Ah, Lisímaco.” Uma nova voz interrompeu o meu breve devaneio, e um homem vestindo uma imaculada quíton deu um passo à frente na soleira do templo. "É muito gentil de sua parte trazer as oferendas pessoalmente."


A Lisímaco fungou novamente, de alguma forma conseguindo olhar para o homem com desprezo, apesar de ser inferior a ele. "Ainda à espera, Callias? Talvez ela nem apareça."


"Pelo contrário." Callias olhou além dela para mim. "Saudações, sacerdotisa. Bem-vinda à cidade: espero que a sua viagem tenha sido agradável."


A Lisímaca virou-se tão rapidamente que o véu escorregou pela cabeça. Expôs um único cacho rebelde que caiu sobre os seus olhos, arregalados em confusão. Limpei a transpiração e a poeira da testa com as costas da mão, permiti que um sorriso brilhante envolvesse o meu rosto e dei um passo à frente para agarrar a mão da Lisímaco com a minha.


"Um prazer. Meu nome é Mirrina: a nova sacerdotisa de Templo de Atena Nice. Escolhida pela própria Atena, devo dizer."


Consegui dizer metade da primeira frase antes da Lisímaco tirar a mão da minha e ficar parada, horrorizada, durante o resto da frase. Virou-se para Callias, meio balbuciando uma palavra, antes de vociferar: "Isso deve ser algum tipo de brincadeira: ela ouviu-me falar sobre o templo, ela não pode ser..." - acenando freneticamente para os meus peplos empoeirados, as desgastadas sandálias, todo o meu traje. "Esta não pode ser uma sacerdotisa!"


"Receio que eu mesmo a tenha conhecido no seu demo, há cerca de um mês. Para finalizar os aspectos práticos, se me entende." O sorriso de Callias tinha o ar de uma polidez fingida e bem praticada. Os seus olhos encontraram os meus por um segundo, antes de se voltarem para o rosto avermelhado da Lisímaco.


"Posso mostrar o nome do meu pai nas listas de cidadãos da região, se desejar verificar." Proferi, combinando com o tom de Kallias. Coloquei-me ao lado do Lysíades, tirei o tecido dos seus braços e apertei-o contra o peito. "O ar do campo é bastante refrescante nesta época do ano."


A Lisímaco olhou-nos, a mão que eu tinha apertado eatva cerrada num punho com os nós dos dedos brancos. Após um instante, ela passou por mim, o homem-sombra acompanhando o passo. Por um breve momento, vi uma sugestão de sorriso aparecer nos seus lábios estóicos: e então os dois desapareceram.


Ao vê-los partir, respirei fundo e vertiginosamente. Na estrada, os nervos tinham formado um nó na boca do estômago: mas o absurdo desta introdução cortou-os completamente. O meu pai pode ter pensado que isto era por ele. Pela nossa família. E, no final, até pode ser o que se lembrem da minha passagem por aqui. Mas, por enquanto, eu iria fazer isso sozinha.


Voltei-me para Kallias, ainda radiante. "Há água fria para a nova sacerdotisa?"



"Cenário atmosférico, humor, detalhes históricos bem pesquisados"

A combinação de humor, cenário atmosférico, detalhes históricos bem pesquisados ​​e narrativa eficaz fizeram com que " Mirrina" se destacasse. Um exemplo brilhante de como a ficção histórica pode ser esclarecedora e divertida.

"Mirrina" combina lindamente a riqueza histórica com elementos narrativos envolventes, particularmente a caracterização. A pesquisa por trás da história foi impressionante e detalhes históricos vívidos dão vida ao cenário.

Os juízes gostaram de como uma única história humana foi habilmente integrada num período e evento histórico. Elogia-se o estilo da escrita pelo equilíbrio entre imagens e contexto, sem ser exagerado. A interação de linguagem, pensamentos e diálogo mais modernos com o cenário antigo foi muito envolvente.

Parabéns, Jenyth Evans, por ganhar o segundo prémio com “Mirrina”!