Historical & Mythological Short Fiction
World History Encyclopedia's international historical and mythological short story contest
Após reformar-se do seu emprego num escritório há uns anos, Richard Garcka começou a escrever e frequentou classes de Escrita Criativa em Guildford, Inglaterra. É um entusiasta por ficção histórica e fantasia, tendo vários contos publicados. O seu fascínio recai nos temas menos conhecidos da história antiga. Os seus contos tendem a narrar sobre temas inspiradores nestes tempos conturbados.
Luz Brilhante é inspirado na construção do Farol de Alexandria.
Os raios do sol da manhã emergiram pelas cortinas, rastejaram silenciosamente pelo chão como um ladrão até chegar à sua almofada. Sóstrato gemeu e virou a cara da luz. Deitado de barriga para cima, há muito que olhava fixamente o tecto, incapaz de se mexer. Despina já se tinha levantado e o cheiro do pão matutino no forno perfumava sedutoramente a casa.
“O que me preocupa? Fui acometido por alguma doença? Ou talvez toda a minha energia tenha sido drenada, roubada por espíritos malignos?” Como homem de ciências, ansiava por explicações. A sua vida era regida por causa-efeito, problemas-soluções, resolver enigmas. Contudo, aqui jazia, incapaz mesmo de levantar um braço. Era como se as leis da natureza se tivessem sentado no seu peito para troçarem da ordem como entendia o mundo.
― Sóstrato, se ficares aí parado por mais tempo, apodreces antes deste pão. - Despina entrou no quarto e ficou de pé sobre ele com as mãos na cintura. A sua voz era repreensiva, mas ele viu preocupação nos seus olhos escuros, na testa franzida e o cabelo louro desgrenhado.
― Eu não consigo... dá-me mais um pouco de tempo.
Ela sentou-se na beira da cama e pegou a mão dele, massageando-a suavemente com o polegar.
― Deverias sair desta maldita comissão. Só te trouxe problemas. Trabalhas todas as horas que os Deuses mandam. Noites inquietas. Não te consegues mexer nem para comer. Olha para ti. Estás metade do homem com quem me casei! Tudo para construir um malvado farol que ninguém quer.
Algo nas suas palavras teve o efeito desejado. Sóstrato ergueu-se sobre os cotovelos. ― Não é infernal. Será um farol para o povo. Um símbolo da prosperidade da nossa nação. Um sinal de boas vindas à nossa terra para todos os viajantes destas costas...
As suas feições relaxaram e Despina largou-lhe a mão sobre a cama com um sorriso irónico.
― Bem, este viajante em particular não será mais bem-vindo na minha cama, a menos que mexa esse esqueleto agora mesmo.
Saiu rapidamente do quarto. Sóstrato sentiu o peso diminuir um pouco e conseguiu ordenar às suas pernas que se mexessem. Ao longo do último ano, a sua mulher tinha sido a sua salvadora. Ela estava, é claro, certa. Ele estava ciente que o trabalho o estava a afetar. Não que não tivesse alguém para compartilhar a carga. Nos primeiros dias, os grandes e bons de Alexandria não ofereceram nada além de palavras de apoio. “Não está sozinho nisto”, proclamaram eles. “Estaremos ao seu lado a cada passo do caminho.” Da sociedade de arquitetos aos chefes das guildas de comércio, à própria Corte Real. Todos prometeram apoio.
Levantou-se da cama e esticou os braços, murmurando um "ah" jocoso. O suposto apoio provou ser um tanto elusivo. Talvez fosse a pura dimensão do projeto. Talvez uma tarefa de tal magnitude sempre exigisse um mínimo de picuinhice. Não, esta palavra mal fazia jus, pensou ele: conspiração; difamação; lutas internas. Aqueles hipócritas, traidores gananciosos rapidamente se tornaram vingativos, obstrutivos, insuportáveis... Deteve-se. Ao seu modo inimitável, Despina lembrou-o do orgulho que sentia por este empreendimento.
Ele levantou-se e decidiu permanecer positivo. Quando se juntou a Despina para comer o pequeno-almoço, pediu profusas desculpas pela letargia e prometeu compensá-la, Sóstrato sentiu-se pronto para enfrentar os próprios deuses.
― Quero-te cedo em casa, ouviste? E não te esqueças de falar com os construtores; precisamos do telhado consertado e do gesso reparado. Como podem confiar em ti para construir um farol para o povo se a tua própria casa está a cair aos pedaços à tua volta?
― Sim, Despina.
― E não te esqueça de comer alguma coisa, - gritou ela enquanto ele saía de casa, - ou posso decidir levar-te ao mercado e trocar-te por um marido com mais carne nos ossos!
― Eu também te amo, minha querida! - gritou de volta, com um passo leve.
A casa ficava nos arredores de Alexandria. Enquanto caminhava pelo caminho adjacente à costa, estudou a distante faixa de terra que formava um braço estendido do porto, como se acenasse para os navios em segurança. Além, estava o pequeno afloramento de Faros, onde um dia o farol seria construído e acessível por uma ponte. O Faraó Ptolomeu tinha pedido um monumento que causasse admiração no mundo. Algo que perduraria por muitas vidas e seria uma maravilha para todos verem. Sóstrato tinha aceitado o desafio e proposto um edifício diferente de qualquer outro.
Ambicioso demais, esta era a palavra mais usada quando os críticos se voltaram contra ele. Os seus colegas arquitetos, batendo nos planos com dedos nodosos, afirmaram que tal edifício nunca se sustentaria, condenado a desabar logo no início da primeira tempestade. As guildas de comércio, estalando a língua e balançando a cabeça, estavam convictas de que o arenito e o calcário necessários nunca poderiam ser extraídos em quantidade suficiente. Os guardiões do Tesouro Real, eles próprios cobertos com as melhores roupas e joias, ficaram horrorizados com o custo. Até os sacerdotes, folheando febrilmente pergaminhos empoeirados, expressaram preocupações de que os deuses se sentiriam ofendidos tendo um edifício cívico mirando os seus templos. “Malditos sejam todos vós!” gritou Sóstrato para ninguém em particular, embora uma íbis próxima tenha olhado para cima com aparente indignação. Se ele fosse honesto, sentir-se-ia mais inclinado a lutar contra os arautos da desgraça se não fosse pela insistência do Faraó em negar-lhe qualquer crédito pelo trabalho concluído. Obviamente, admirava Ptolomeu pela sua visão. Não poderia ter sido fácil para um governante suceder a Alexandre, o Grande, e precisava deixar a própria marca. Sóstrato tinha convencido Ptolomeu de que a construção do farol era viável, dadas as autorizações e aprovações reais necessárias.
― Sim… sim… tem minha autorização, - Ptolomeu murmurou, acenando com a mão de forma desdenhosa, como se isso fosse tudo o que Sóstrato precisasse. - Apenas se certifique que a estrutura tem o meu nome e de mais ninguém! Não quero ver nenhum tributo aos Deuses nem àquele megalomaníaco Alexandre. Nem a quaisquer funcionários públicos. - Olhando incisivamente para Sóstrato.
Despina estava furiosa porque o seu nome não apareceria no edifício.
― Dedicaste metade da tua vida a isto… a isto… - ela gritou, apontando para a ilha de Faros, - tolice, sem nenhum tributo? Nenhum reconhecimento do sacrifício que estás a fazer? Nenhum reconhecimento das tuas plantas, perseverança que o levará adiante? Aquele pomposo, arrogante… - E assim ela continuou. Sóstrato não se considerava uma pessoa convencida, mas irritava-o que o arquitecto do farol, supondo que fosse concluído, fosse relegado ao anonimato. Os acólitos do Faraó Ptolomeu certamente notariam qualquer tentativa sua de inscrever o seu nome, por mais subtil que fosse.
O dia apresentou os desafios habituais. A Guilda dos Construtores era representada por anciãos com barbas brancas e esvoaçantes, ondulando na brisa como a espuma das ondas do Mediterrâneo. Durante semanas, afirmaram que os materiais de construção necessários nunca poderiam ser produzidos a tempo, mas agora admitiram repentinamente que tal poderia ser possível. Sóstrato não se surpreendeu, pois ele próprio tinha visitado Wadi Hammamat e falado com os pedreiros, que ficaram mais do que felizes em aceitar a encomenda. O atraso tinha sido causado pelos próprios líderes da Guilda, que esperavam prolongar as negociações de forma a encherem os próprios bolsos. Por fim, Sóstrato convenceu o Tesouro Real a envolver-se, contendo assim a sua ganância.
Já era tarde quando chegou. Sentiu que Despina estava prestes a repreendê-lo, até que ela viu o quão fatigado estava. Prostou-se em algumas almofadas e estendeu os braços. Despina balançou a cabeça e sentou-se a seu lado. Sentir o corpo dela junto ao seu tornou suportávelo dia mais miserável.
― Sou o marido mais inútil.
― Sim, és, mas felizmente os Deuses abençoaram-te com uma mulher atenciosa.
― E abençoaram-me mesmo. - Ele olhou em redor do quarto. – A nossa casa está realmente prestes a desabar sobre as nossas cabeças?
― Provavelmente. Mas enquanto estiveste fora o dia todo a tentar construir o farol para o povo, eu reparei o telhado e o reboco. Ainda precisamos do construtor, mas deve aguentar por enquanto.
― Então, ainda sou bem-vindo na tua cama? - Abraçou-a fortemente.
― Bem, desde que estejas preparado para arriscar que um pedaço de gesso te caia na cabeça. Então vais perguntar-te porque é que não me destes ouvidos.
Sóstrato visualizou uma chuva de gesso a cair sobre ele no momento mais inoportuno, revelando o céu noturno acima. Na realidade, ele confiava que o trabalho de Despina duraria bem mais do que o de qualquer construtor. Olhou para o tecto; engrenagens começaram a girar na sua mente. Ideias sobre superfícies e interiores; fachadas escondendo segredos ocultos; problemas e soluções.
― Mais um dia frustrante, meu marido?
― Apenas mais um de muitos. Mas acho que posso ter uma ideia para pelo menos aliviar um fardo...
― Maravilhoso. Conta-me tudo sobre isso amanhã de manhã.
Sóstrato sorriu para si mesmo, abraçou-a com força e, pela primeira vez em muito tempo, acreditou que o farol poderia sim levar o seu nome, afinal.
***
O Farol de Alexandria demorou doze anos a ser construído e durante muitos séculos foi um dos edifícios mais altos do mundo, até ser bastante danificado por sucessivos terremotos mais de mil anos depois. Pensa-se que o arquitecto do Farol tenha sido Sóstrato de Cnido; um historiador do século II escreveu que o nome de Sóstrato de Cnido tinha sido inscrito sob o gesso que continha uma dedicatória ao Faraó Ptolomeu, e que quando o gesso se desgastou, revelou o nome de Sóstrato na pedra.
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